quinta-feira, 1 de março de 2012

Beethoven contra o câncer



Usar a música em cultura de células tumorais 
trouxe resultados surpreendentes



    Um trabalho inovador desenvolvido por pesquisadores do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (IBCCF), da Universidade Federal do Rio de Janeiro, com a participação da Escola de Música Villa-Lobos, demonstra que a música pode servir como aliada no tratamento do câncer de mama. Testes realizados em culturas de células em laboratório mostraram que, quando células MCF-7 foram expostas à  5a Sinfonia de Beethoven e à composição  Atmosphères, de Gyorgy Ligeti, reduziram de tamanho ou morreram.
    A experiência iniciada há cerca de um ano analisa os efeitos de ondas sonoras audíveis em cultura de células e os resultados surpreenderam ao demonstrar que uma em cada cinco células expostas às composições mencionadas foi extinta. Agora os pesquisadores procuram uma forma de aumentar esse efeito. A ideia é que, no futuro, o grupo possa criar sequências sonoras específicas para ajudar no tratamento do câncer. 
    Estudos realizados anteriormente confirmaram que algumas músicas conseguem diminuir o número de ataques epiléticos e aumentar a capacidade de memória em pacientes com Mal de Alzheimer. A chamada musicoterapia vem sendo aplicada há décadas em doenças de origem neurológica ou em pacientes com transtornos psíquicos, além de ajudar na recuperação de traumas físicos. A ideia de usar a música em cultura de células, porém, é uma novidade.

Efeitos do Som

    A proposta do estudo partiu de uma ideia muito simples. “Se existe um efeito direto de sons audíveis nos seres vivos, poderemos estudá-lo em culturas de células, à semelhança do que já se faz com outros agentes químicos e físicos, como as ondas eletromagnéticas.” A explicação é da professora Marcia Alves Marques Capella, que coordena o trabalho. Ela esclarece, também, que a pesquisa é voltada para o efeito de ondas sonoras em diferentes culturas de células e não apenas nas tumorais. 
    “O nosso objetivo é estudar possíveis efeitos diretos do som (incluindo a música) em diferentes tipos de células, e o trabalho se apoia no fato de que não existe nenhuma razão para que uma célula qualquer do nosso organismo não responda ao som”, avalia. “Os efeitos do ultrassom e do infrassom já são estudados e conhecidos; no entanto, os estudos sobre os efeitos do som audível praticamente se restringem à emoção evocada pela música.” 
    Marcia afirma que ainda não tem uma explicação para o fato de ondas sonoras audíveis promoverem morte em alguns tipos de células tumorais. “Foi uma surpresa para nós, pois estávamos esperando efeitos mais sutis”, revela.
    A redução e morte de células MCF-7 (de câncer de mama humano) obtida pelos pesquisadores também foi testada em células de leucemia, mas o efeito não se repetiu. “No entanto, é possível que outras músicas tenham efeito em mais tipos de células”, acredita.
    Segundo a pesquisadora, já existem outras instituições realizando experiências com ondas sonoras contra o câncer. É o caso do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP), que recentemente começou a utilizar um aparelho de ultrassom para o tratamento de alguns tipos de tumores. Ela informa, também, que já foram publicados diversos artigos mostrando efeitos de frequências puras, dentro da faixa audível, em bactérias e em células animais e de vegetais superiores. “Segundo   diversos pesquisadores, é possível observar alteração no metabolismo e no ciclo celular. Mas até onde sabemos, o nosso estudo foi o primeiro a utilizar música em vez de frequências puras.”

Música como Terapia

    A graduação em Física ajudou muito, pois as ondas sonoras têm características mecânicas. Para iniciar o projeto, no entanto, Marcia Capella buscou também adquirir um conhecimento básico sobre teoria musical e, por isso, procurou a Escola de Música Villa-Lobos, onde estudou durante um ano. Foi lá que deu início à parceria com o professor de música que participou da pesquisa inédita.
    “Antes desse trabalho, toda minha experiência usando a música com fins terapêuticos foi como regente em coral com pessoas da terceira idade, não tendo necessariamente relação com doenças humanas”, revela Marcos de Castro Teixeira, formado pelo Conservatório Brasileiro de Música e professor de matérias teóricas e canto. Ele entrou para o universo da pesquisa científica depois de dar aula durante alguns meses para a professora Marcia Capella no curso básico de música. A oportunidade veio em forma de um pedido de orientação no projeto sobre os efeitos de ondas sonoras em células cancerígenas. 
    O professor usou seus conhecimentos na definição das músicas que fizeram parte da experiência e explica que uma delas é a composição já conhecida pelo “Efeito Mozart”, com benefícios comprovados para atenuar e diminuir crises de epilepsia, que recentemente mostrou-se eficiente também na redução da frequência cardíaca. Outros compositores sugeridos por Teixeira foram Beethoven, por ser um dos mais tocados no mundo inteiro, além de Ligeti, por se tratar de um autor contemporâneo que, no caso das células cancerígenas, superaram as composições de Mozart.
    Agora, a ideia da coordenadora do projeto é ampliar a nova linha que está sendo desenvolvida no laboratório para estudos em células não tumorais. Apesar da repercussão positiva que o trabalho obteve, no entanto, Marcia Capella mostra-se cautelosa com relação ao sucesso no meio científico. “Precisamos primeiro ampliar a pesquisa para termos uma ideia da abrangência de nossos achados”, conclui.

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