quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Cérebro social




O volume dessa estrutura pode ter relação com a 
socialização do indivíduo
Neusa Pinheiro

    A amígdala cerebral faz parte de um grupo de estruturas que compõe o sistema límbico do cérebro e que inclui, além da própria amígdala,  o hipotálamo, o tálamo e o hipocampo, entre outras. O sistema é responsável pelo comportamento emocional, aprendizado e memória, e ainda da chamada vida vegetativa que abrange a digestão de alimentos, a circulação sanguínea e a excreção. É constituído de células chamadas de neurônios, que são especializadas e responsáveis em captar e transmitir os estímulos recebidos do ambiente para o corpo, através de uma rede neurotransmissora, formando os chamados impulsos nervosos.
    A amígdala é considerada a porta de entrada do sistema límbico. Ao ser estimulada, pode ocasionar algumas experiências de comportamento como raiva, medo, prazer e sexualidade. Também padroniza respostas comportamentais apropriadas para cada ocasião. Existem duas amígdalas, uma para cada hemisfério do cérebro.
    Recentemente, um estudo realizado em 58 adultos saudáveis, por Kevin Bickart e colaboradores, da Universidade de Boston, descobriu que o volume da amígdala tem correlação com o tamanho e a complexidade das redes sociais nos adultos, ou seja, quanto maior é o órgão, maior é a quantidade de amigos e parentes que convivem com o portador dele, embora não se tenha concluído se a amígdala cerebral cresceria em proporção ao número de amigos. 
    Os pesquisadores propuseram, no caso, que o volume da amígdala deve estar relacionado ao tamanho dos grupos sociais, em parte porque o tamanho de uma região do cérebro é um indicador da sua capacidade de processamento.
    “A amígdala medeia o processamento das informações relevantes socialmente e a expressão do comportamento emocional. No entanto, a percepção social e as demandas subsequentes são resultantes da atividade de uma rede neural, e não somente do desempenho funcional de estruturas cerebrais individuais”, diz a médica Roberta Monterazzo Cysneiros, pesquisadora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).  
    A hipótese do “cérebro social”, expressão cunhada por Leslie Brothers em 1990, sugere que evolutivamente quem vive em maiores e mais complexos grupos sociais possuem regiões do cérebro maiores, com maior capacidade para realizar cálculos pertinentes. Este cérebro social define-se como uma complexa rede de áreas cerebrais ou rede neural, que nos permite reconhecer outros indivíduos, avaliar os seus estados mentais (por exemplo, suas intenções, disposições, desejos e crenças), compartilhar sua atenção e se posicionar no lugar do outro. “Esta ’ação’, denominada de percepção social, ocorre por meio de análise e interpretação de pistas biológicas, tais como expressões faciais, gestos, movimentos corporais e tipo e direção do olhar. A partir desta percepção surgem outras demandas, como tomada de decisão, planejamento de ações e estratégias, baseando-se em um sistema de recompensa, para permitir uma ação apropriada para cada situação ou circunstância, garantindo aos membros da espécie uma maior chance de adaptação e de sobrevivência em ambientes complexos”, prossegue a médica.

Distúrbios e desvios

    Lesões no sistema límbico, ou, mais especificamente, na amígdala cerebral, podem levar a alguns desvios de comportamento. Em experimentos, a sua destruição faz com que um animal se torne dócil, sem preferência sexual, descaracterizado afetivamente e, o que é potencialmente perigoso, indiferente às situações de risco. O estímulo da amígdala com impulsos elétricos provoca violenta agressividade. Nos seres humanos o indivíduo perde, com a lesão, a percepção do sentido afetivo vindo de uma informação exterior, como, por exemplo, a aproximação de um amigo. Ele percebe o que está vendo, identifica a pessoa, mas não tem noção se gosta ou não desta pessoa.
    Alguns distúrbios ou transtornos já foram relacionados às lesões da amígdala. Um estudo realizado pela equipe de Murray B. Stein, da Universidade da Califórnia, nos EUA, utilizou uma técnica chamada ressonância magnética funcional para medir a atividade cerebral em pacientes afetados pela TAS (Transtorno de Ansiedade Social) ou FS (Fobia Social) e em indivíduos não portadores do distúrbio.
    Várias fotografias com rostos foram mostradas aos voluntários. Os pesquisadores descobriram que, em relação aos voluntários que não apresentavam o distúrbio de ansiedade, os indivíduos com fobia social tiveram uma resposta hiperativa na amígdala quando viram rostos com expressões de raiva ou arrogância.
    Também já foram encontradas provas, por meio de estudos de neuroimagem (PET-Scan), que avalia a atividade cerebral através do metabolismo de glicose no cérebro, que os pacientes com o Transtorno Bipolar de Humor (antiga psicose maníaco-depressiva, que se caracteriza por períodos de depressão alternados com períodos de mania) possuem maior atividade na estrutura da amígdala cerebral.
    Enfim, pode-se questionar o fato de ser evidente que o cérebro controla o comportamento do indivíduo, e a amígdala, mais especificamente, as relações sociais e emoções. Mas o comportamento pode controlar o cérebro? Roberta Cysneiros responde: “Ao se analisar o contexto do ponto de vista individual, percebemos que nascemos com o potencial para desenvolver as habilidades sociais necessárias para atender às diferentes demandas que o convívio em sociedade exige. No entanto, devemos evitar a premissa imediatista de que os indivíduos já nascem dotados de uma rede neural apta para trafegar em redes sociais amplas e complexas e que, quanto mais desenvolvida ela for, maior e mais complexa será a rede social que iremos participar. Ao invés disso, as habilidades sociais são aprendidas no convívio em sociedade, esculpindo o cérebro, graças à plasticidade neural, e influenciando o indivíduo ao longo da vida”.

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