terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Visão distorcida



A doença atinge 1,6 milhão de brasileiros e a
 atenção é mais humanizada

Renata Bernardis

      Visões e vozes são alguns dos sintomas apresentados por pessoas que sofrem de esquizofrenia. Usualmente elas vivem também momentos de apatia e desordem de pensamento, com alterações de juízo, falsas ideias de perseguição e dificuldade em se relacionar. A esquizofrenia é uma doença com manifestações psíquicas cujos sinais e sintomas se dão na área do pensamento, percepção e emoções. Afeta cerca de 1% da população mundial e conta com, aproximadamente, 56 mil novos casos a cada ano no Brasil. No total, estima-se que exista cerca de 1,6 milhão de brasileiros com esquizofrenia, um dos transtornos mais graves na psiquiatria.

      Descrita pela primeira vez no fim do século XIX, a esquizofrenia ganhou esse nome do psiquiatra suíço Eugen Bleuler, como resultado da junção dos termos gregos  skizo (divisão) e phrenos (espírito), em virtude dos sintomas de dissociação que provoca no paciente. O curso da doença, que começa no final da adolescência ou início da idade adulta – geralmente, depois dos 15 anos e antes dos 30 – é sempre crônico. 
      De acordo com Rodrigo Bressan, psiquiatra e coordenador do Programa de Esquizofrenia (Proesq) – serviço psiquiátrico ambulatorial do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) que atende, atualmente, cerca de 300 pessoas –, o diagnóstico é estritamente clínico, pois não existem marcadores biológicos próprios para essa doença nem exames complementares específicos. Mas alerta: “Apesar de não existirem exames que a confirmem, não significa que eles sejam dispensáveis. Por meio deles, é possível descartar outros quadros, o que reforça o diagnóstico da esquizofrenia”, diz, ao explicar que a doença tem causa multifatorial. Ela tem base genética, fatores sociais, familiares e psicológicos. A interação destes fatores é determinante para  desencadear a doença, geralmente percebida em razão de um surto, pois os sintomas da esquizofrenia são, na maior parte das vezes, sutis. 
      “Desse primeiro surto até a primeira visita ao psiquiatra há, geralmente, um intervalo de mais de um ano”, relata Jorge Assis, vice-presidente da Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Esquizofrenia (Abre), entidade criada em 2002 com o intuito de informar, combater o estigma, por meio de ações na mídia, lutar contra a falta de medicação, divulgar materiais educativos no site e desenvolver atividades educativas nas comunidades. “O primeiro atendimento psiquiátrico demora para acontecer, pois, na maioria das vezes, a família não aceita a doença e busca vários médicos na esperança de receber um diagnóstico diferente”, explica. A esquizofrenia é uma doença crônica que ainda não tem cura, mas é tratada com remédios que, segundo Assis, garantem bons resultados e menos efeitos colaterais. “A indústria farmacêutica tem evoluído muito, assim como o conhecimento médico acerca do cérebro.” 
      Os medicamentos antipsicóticos para tratar a esquizofrenia, surgidos nos anos 1950, evoluíram e estão cada vez mais específicos e seguros no controle dos sintomas da doença, também controlada por atendimentos clínicos frequentes. 
      No Hospital das Clínicas (HC) de São Paulo o tratamento é multifatorial, com psicoterapia. Realizado em longo prazo, o tratamento é mantido mesmo fora dos momentos de crise com o intuito de garantir à pessoa com esquizofrenia uma vida estável. O professor Helio Elkis, que é coordenador do Programa de Esquizofrenia do Instituto de Psiquiatria (IPq), do HC, conta que os mais de 500 pacientes atendidos pela entidade são chamados de refratários, pois não respondem aos psicóticos de primeira e segunda geração e, por isso, são tratados com clozapina. “Cerca de 30% das pessoas com esquizofrenia não respondem aos psicóticos de primeira e segunda geração”, diz, ao relatar que a entidade poderia receber novas pessoas refratárias dessa grande parcela de pessoas com esquizofrenia se a rede pública conseguisse absorver os pacientes do HC que hoje apresentam quadro estável.
      Contudo, alguns medicamentos não estão disponíveis nas unidades básicas de saúde e nem sempre há disponibilidade para a realização de hemogramas, exame frequentemente realizado em pessoas tratadas com clozapina, medicamento que em dosagem errada pode causar deficiência de glóbulos brancos. 
      Para Assis, da Abre, o atendimento em saúde é deficitário de maneira geral em todo o Brasil e na saúde mental não é diferente. “Entre 10 pessoas com esquizofrenia, não é exagero afirmar que um é tratado. E, em caso de crise psicótica, a dificuldade aumenta, pois as internações são difíceis de serem conseguidas.”
      A boa informação é que as internações, que por muito tempo foram utilizadas de forma incorreta e abusiva, em hospitais psiquiátricos que apresentavam condições desumanas, mudaram em muitos locais. Os próprios Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), que atendem pessoas com  transtornos mentais graves, como psicoses e neuroses, incluindo a esquizofrenia, garantem internações bem mais humanizadas. A reforma psiquiátrica, iniciada há cerca de vinte anos e formalizada pela Lei no 10.216/01, impulsionou a construção de um modelo mais humanizado de atenção integral na rede pública de saúde, que mudou o foco da hospitalização como centro ou única possibilidade de tratamento aos pacientes.
      De acordo com o Ministério da Saúde, que prevê investir 1,8 bilhão de reais na área de saúde mental em 2011, existem hoje 1.650 CAPS, presentes em todos os estados da federação.

Nenhum comentário:

Postar um comentário